Una-se pelo fim da violência contra as mulheres. Todas e todos temos um papel a desempenhar

Há muitas formas de prevenir abusos em seus primeiros sinais e impedir que os ciclos se repitam e se eternizem na sociedade. Não é um problema inevitável

Hoje, 25 de novembro, é o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. Neste dia, anualmente lançamos a campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, observados sob a égide da campanha do secretário-geral da ONU “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres até 2030″. No Brasil, a celebração já se iniciou no 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, de forma a marcar a interseccionalidade das violações de direitos e violências sofridas pelas mulheres negras brasileiras.

Durante estes 16 Dias, o Governo, o Parlamento, as empresas, a sociedade civil e todas as pessoas, a partir de sua atuação individual, são mobilizados. Edifícios e monumentos ícones serão iluminados de laranja, a cor oficial da campanha da UNA-SE, simbolizando a esperança por um mundo livre de violência. O apelo é para que todas e todos usem suas vozes e posição na sociedade e atuem para prevenir e erradicar a violência contra mulheres e meninas —por meio de debates, marchas, reuniões, audiências públicas, concertos e festivais públicos. Que passem do clamor para a ação.

Neste ano, no Brasil, implementamos a campanha “UNA-SE Pelo fim da violência contra mulheres e meninas – Vida e dignidade para todas”, destacando as causas, as implicações e as consequências das diversas formas da violência contra mulheres e meninas no Brasil. Como sempre, as Nações Unidas no Brasil colocam um enfoque particular nos grupos de mulheres socialmente excluídas e marginalizadas, que enfrentam as múltiplas formas de discriminação em função do seu sexo, raça, etnia, origem religiosa e linguística, identidade de gênero e orientação sexual. Essa lente é necessária porque violência também tem uma característica interseccional, com algumas mulheres enfrentando múltiplas formas de discriminação e estando mais vulneráveis a diversas formas de violência do que outras.

É desolador saber que a violência permanece de forma sistêmica no Brasil. Em 2020, 17 milhões de mulheres brasileiras foram vítimas de algum tipo de violência, seja ela física, psicológica ou sexual. Desse número, 44,9% das mulheres brasileiras reportaram que não fizeram nada em relação à agressão sofrida. Apenas 11,8% buscaram autoridades estatais.

De acordo com o Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe, o Brasil é o país com o maior número absoluto de feminicídios na região. A violência letal contra as mulheres apresentou crescimento em 2020: foram registrados 3.913 casos de homicídios de mulheres, dos quais 1.350 foram classificados como feminicídios, isto é, cerca de 34,5% dos assassinatos de mulheres. Isso significa que a cada seis horas uma mulher foi morta pelo simples fato de ser mulher. Dentre as vítimas de feminicídio, ocorre prevalência entre mulheres jovens (16 a 24 anos, 35,2%), pretas (28,3%) e separadas ou divorciadas (35%). Três entre cada quatro vítimas de feminicídio tinham entre 19 e 44 anos e, em sua maioria, eram negras (61,8%).

Em 2020, uma mulher foi vítima de assédio sexual a cada oito minutos no Brasil e 37,9% das brasileiras sofreram algum tipo de assédio sexual. Em 2019 esse índice era de 37,1%. Outros números chamam atenção: 31,9% das vítimas ouviram comentários desrespeitosos enquanto caminhavam na rua; 12,8% foram alvo de comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho; 7,9% foram assediadas fisicamente quando utilizaram transporte público; 5,4% foram agarradas/beijadas sem consentimento; e 5,6% sofreram assédio físico em festas.

A violência é amplamente difundida e se manifesta de múltiplas formas em todas as esferas da vida no Brasil.

A menos de um ano das próximas eleições gerais, gostaria de me concentrar na violência contra as mulheres na política, que tem, entre outras causas, o patriarcado, a desigualdade estrutural e múltiplas formas de discriminação. Esse tipo de violência em específico representa um impedimento à participação igualitária das mulheres e a uma contribuição igual para o desenvolvimento político, social e econômico.

Embora seja um tema alarmante, até recentemente esta causa recebia pouca atenção, tanto em nível global quanto no Brasil. Os dados sobre o assunto são limitados e a sua coleta constitui um desafio. Os estudos que a ONU Mulheres fez em alguns países, no entanto, revelaram que tal violência é generalizada e sistemática.

Temos dados que mostram que a violência contra as mulheres que ocupam cargos públicos e cargos de decisão política tem um impacto direto na ambição política das mulheres jovens e tem consequências intergeracionais para a plena realização dos direitos políticos das mulheres.

Alguns grupos de mulheres na política estão mais expostos a riscos de violência baseada no gênero do que outros, incluindo defensoras dos direitos humanos, negras, indígenas, LBTI, membros da oposição ou de grupos minoritários e as que verbalizam opiniões minoritárias, bem como as dissidentes. Esta é uma dimensão interseccional da violência política contra as mulheres.

É claro que tanto homens quanto mulheres são vítimas de violência na política. No entanto, os atos de violência contra as mulheres visam esse grupo por causa do seu gênero e, portanto, as violências perpetradas assumem formas baseadas no gênero. Os objetivos da violência contra as mulheres na política em todas as suas formas são: desencorajar as mulheres de serem politicamente ativas, além de influenciar, restringir ou impedir a participação política de mulheres individuais e mulheres como grupo. Mas o principal objetivo da violência contra as mulheres na política é preservar os papéis tradicionais de gênero e manter as desigualdades estruturais de gênero, etnia, raça, entre outras formas de desigualdade e discriminação.

Todas as formas de violência contra mulheres estão relacionadas com estruturas formais e informais de poder e com o abuso destas. É uma violação de direitos humanos; é um crime e deve ser chamado assim. Não é inevitável. Há muitas formas de prevenir a violência em seus primeiros sinais e impedir que os ciclos de violência se repitam e se eternizem na sociedade.

Por exemplo, em amplo esforço para erradicar a violência contra mulheres e meninas, a ONU Mulheres vê os homens desempenhando um papel vital na concretização da mudança requerida. Desafiar o sexismo, o domínio e o privilégio masculino como norma social começa com a modelagem de masculinidades positivas.

O Estado e os movimentos sociais têm um papel central na prevenção da violência. Eles complementam e reforçam os esforços multidimensionais e multisetoriais dos Governos, parlamentos, da sociedade civil e da comunidade internacional na resposta à violência contra mulheres e meninas. Esforços estes que vão desde a adoção e aplicação de políticas e leis nacionais ao estabelecimento de sistemas desagregados de coleta e análise de dados sobre a prevalência das várias formas de violência, assegurando que os serviços para enfrentar a violência contra as mulheres e meninas sobreviventes sejam considerados essenciais, permaneçam abertos e estejam acessíveis, especialmente para as mais suscetíveis de serem deixadas para trás. Este é um conjunto padrão de instrumentos, necessários para que cada país estabeleça os mecanismos de abordagem sistêmica da violência contra as mulheres e as meninas.

A UNA-SE convida todo mundo a se reunir e tomar medidas, compartilhando informações para prevenir e acabar com a violência contra as mulheres e meninas durante este tempo sem precedentes. Todas e todos têm um papel a desempenhar. Agora, esta ação coletiva é mais necessária do que nunca.

ANASTASIA DIVINSKAYA

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