De acordo com dados analisados e compilados pela Fundação Ceperj, o número de vítimas da violência doméstica é alarmante
O Agosto Lilás é o mês de conscientização e combate à violência contra mulher e os dados levantados no primeiro semestre deste ano são alarmantes. Por isso, a Comissão de Valorização da Mulher, que é vinculada à Presidência da Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ), reeditou a cartilha amiga da mulher de enfrentamento à violência doméstica e familiar, que tem por finalidade educar e conscientizar sobre o tema, além de propor ações de valorização às mulheres.
“Nosso objetivo com a reedição da cartilha neste mês é oferecer informações e alertar as mulheres sobre seus direitos para que possam romper com o ciclo de violência que sofrem. Queremos que não só elas, mas todos tenham acesso à cartilha para que sejam multiplicadores e possam colaborar na detecção e diminuição de casos de violência doméstica e familiar, ajudando a salvar a vida de inúmeras mulheres”, explica Gabriel Lopes, presidente da Fundação Ceperj.
A iniciativa, que ocorre por meio da Comissão de Valorização da Mulher da Fundação Ceperj, aponta a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em setembro de 2006, como um marco no país, mostrando às mulheres como agir em prol dos seus direitos, além de informar os principais dados sobre violência doméstica, entre eles um panorama dos seis primeiros meses deste ano.
De acordo com dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, analisados e compilados pelo Centro de Estatísticas, Estudos e Pesquisas (CEEP), da Fundação Ceperj, 51.198 mulheres foram agredidas fisicamente, apenas no primeiro semestre de 2022.
Só até 21 de junho deste ano, somaram-se 40.025 denúncias e 200.914 violações de direitos humanos nas duas categorias referentes à mulher: “Outras violências contra a mulher” e “violência doméstica e familiar contra a mulher”. Dessas violações, 85.668 aconteceram na casa na qual residem a vítima e o suspeito.
A presidente da Comissão da Mulher, Noelma Faria, conta que a violência pode ser prevenida. Segundo ela, existe um ciclo já estudado capaz de ajudar a mulher a ficar atenta para tomar as iniciativas cabíveis. Tudo é descrito com detalhes na cartilha.
“O ciclo é composto por três fases, de forma resumida, a primeira é a criação de tensão, o homem demonstra nervosismo, aumenta o tom de voz e faz xingamentos ao se dirigir à mulher; a segunda é a explosão, onde em decorrência da raiva desproporcional, ele ataca a vítima com ameaças e agressões; a terceira fase é a lua de mel, o homem se mostra arrependido, presenteia a mulher, pede desculpas e diz que não irá mais ser agressivo, porém, geralmente, o arrependimento é apenas momentâneo”, explica Noelma Faria.
Quanto ao tipo de delito, verificou-se que 186.709 comprometeram a integridade da vítima, das quais à integridade psíquica aparece em primeiro lugar, com 129.682 violações, e à integridade física em segundo lugar, com 51.198 violações.
A cartilha destaca ainda os tipos mais comuns de violência doméstica, entre elas a violência sexual, física, psicológica, patrimonial e moral.
“É importante que todos entendam que as agressões às mulheres não são somente de natureza física. A violência doméstica abrange diversas situações, inclusive, foram identificados casos de violência sanitária durante a pandemia de Covid-19, onde os maridos proibiam as esposas de utilizarem materiais de higiene com a intenção delas contraírem a doença”, explica Daniele Oliveira, advogada e membro da Comissão de Valorização da Mulher da Fundação Ceperj.
A advogada criminalista, Gisela França, que também integra a Comissão, destaca que mulheres em situação de violência doméstica precisam criar um plano de proteção.
“Essas mulheres precisam informar a situação a pessoas de confiança, pensar no transporte que vão utilizar, caso precisem sair de suas casas com urgência, ter os telefones dos serviços de proteção à mulher salvos com nomes falsos, evitar correr para locais com objetos que possam servir como arma e proteger a cabeça o máximo possível”, diz Gisela França.
Para quem tem filhos ela alerta que é importante ficar longe das crianças para que não sejam atingidas. “Caso essa mulher consiga fugir deve levar as crianças e se elas conseguirem fugir sozinhas é preciso orientá-las a pedir ajuda aos vizinhos, familiares e amigos. Se porventura a mulher estiver machucada, deverá ir para o hospital, senão, buscar um local acolhedor para se abrigar, como uma instituição religiosa, uma escola ou alguma loja até que se acalme e possa buscar a delegacia”, completa.
A cartilha aponta ainda que “para tornarmos efetiva a Lei Maria da Penha será necessário compreendermos a gravidade dessa violência e os motivos do silêncio da mulher, que inibe os registros e gera mais e mais vítimas e mortes”.
“Muitas mulheres, por falta de conhecimento ou vergonha, acabam não denunciando. São inúmeros fatores que fazem a mulher desistir, como o medo do agressor, dos julgamentos da sociedade em geral e o sentimento de culpa. Para além disso, tem a parte financeira, já que, em alguns casos, essa mulher é dependente econômica desse agressor e tem receio dos filhos sofrerem por alguma falta de recursos, fazendo com que elas não cheguem às autoridades”, diz Simone Aguiar, psicóloga e advogada, da Comissão de Valorização da Mulher.
Ela ressalta ainda que as agressões podem causar problemas como depressão, ansiedade e até pensamentos suicidas. Também afeta o corpo provocando alterações no sono, distúrbios alimentares, abuso de álcool e outras substâncias.
“Os traumas podem ser diversos. Hoje estamos no mundo com a depressão que faz com que essa pessoa fique paralisada, fora os problemas físicos. Às vezes, numa consulta ginecológica ela vai falar do seu corpo e não consegue porque ela tem dor e essa dor é na alma, então, muitas vezes, essa mulher não consegue nem conviver mais em sociedade, ela se esconde”, completa Simone.
De acordo com dados do Ministério da Mulher no que se refere à relação entre suspeito e a vítima, detectou-se em primeiro lugar companheiro (36.131), em segundo marido (34.368) e em terceiro, ex-companheiro (23.672).
“A mulher deve denunciar, ainda que o agressor seja o seu pai, irmão, primo, avô, ex-marido ou namorado, companheiro, primo ou tio. Empurrar, arranhar, dar chutes, socos, enforcar, puxar cabelo, queimar, são práticas que não devem jamais acontecer e caso ocorram trata-se de crime!”, revela um trecho da cartilha.
O texto traz ainda os contatos dos principais órgãos públicos responsáveis pelo enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, entre eles: Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM), 2334-9508; Central de Atendimento à Mulher, 180; Polícia Militar, 190.