Em uma sociedade marcada pelo machismo e pela misoginia, leis que protejem e defendem as mulheres são conquistas e devem ganhar visibilidade. Apesar de já ter ouvido falar, grande parte da população desconhece as implicações e os enquadramentos da Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Para entender uma das ferramentas jurídicas mais importante da luta feminista, confira o que diz a advogada Maria Gabriela Brandino.
O que é a Lei Marinha da Penha
Sancionada em 7 de agosto de 2006, pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, a Lei 11.340, também conhecida Maria da Penha, “é um mecanismo para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres”, informou Brandino.
A advogada enfatiza que “é preciso afastar a lógica biológica e binária para acolher e aplicar a lei para todas as mulheres”. Dessa forma, considerando mulheres cisgênero, travestis e transexuais devidamente como iguais.
Na lei, “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, como disposto no Art. 5º.
Quando foi criada
Como descrito acima, a lei foi sancionada em meados de 2006, contudo a dolorosa trajetória de sua criação se desenrolou por 23 anos. Tudo começou quando a farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de duas tentativas de feminicídio cometidas pelo seu cônjuge, na época, Marco Antonio Heredia Viveros em 1983. Uma das agressões causou danos irreversíveis na coluna de Maria da Penha que ficou paraplégica, como está posto em sua biografia no site do Instituo Maria da Penha.
O primeiro julgamento de Marco Antonio ocorreu 8 anos após os crimes, contudo o réu saiu em liberdade. Um segundo julgamento aconteceu em 1996, mas a sentença novamente não foi cumprida. Dois anos depois, o desenrolar do caso ganhou proporções internacionais.
Entretanto, somente em 2001, houve a tomada de consciência do Estado brasileiro sobre a necessidade de discussões e projetos de leis eficazes para punir e combater a violência contra a mulher, resultando na sanção da lei nacional em questão.
Qual a importância
Brandino cita a música ‘Maria da Vila Matilde’, interpretada por Elza Soares, que demonstra a potência da lei Maria da Penha. Para a profissional, essa lei “institui um mecanismo de proteção e atuação compreendendo a violência contra as mulheres como estrutural”.
Além disso, Brandino acrescenta que a existência dessa lei “é importantíssima para o engajamento, conscientização coletiva e prevenção das violências contra a mulher”, isto é, elucida os casos de agressão física e verbal que mulheres de todo o país vivenciam, sejam vindas de seus cônjuges, familiares, conhecidos ou desconhecidos.
“A Lei Maria da Penha é fundamental à compreensão, efetivação e execução do atendimento integral às mulheres e para as políticas intersetoriais”, pontua a especialista.
Quais são os principais pontos da Lei Maria da Penha?
De acordo com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública referente ao ano de 2021, foram contabilizados cerca de 1.341 mortes por feminicídio, 2.028 tentativas de feminicídio e 230.861 queixas de violência doméstica. É impossível fechar os olhos para a condição da mulher em uma sociedade patriarcal! Por isso, veja abaixo os principais pontos da Lei Maria da Penha!
Prevenção da violência contra as mulheres
Como já apontado pela advogada, a Lei Maria da Penha foi criada com o objetivo de coibir e prevenir a violência contra a mulher. Por isso, um dos seus principais pontos é a criação de métodos de prevenção ao ato criminoso.
No Art. 2º, está posto que todas as mulheres possuem os direitos fundamentais da vida humana, sendo, dessa forma, “asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.
Já o Art. 3º pontua que toda mulher tem direito “à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
Os demais pontos sobre prevenção manifestam a importância do desenvolvimento de políticas públicas para combater a violência, além da promoção de pesquisas e estudos, da educação social e preparação dos profissionais que acolhem as vítimas, da discussão ética e social e da promoção de campanhas educativas, objetivando a equidade de gênero, raça ou etnia, como disposto na declaração universal dos direitos humanos.
Proteção para todas as mulheres
Nos casos factuais de violência ou de ameaça, medidas protetivas são tomadas, “considerando que o caráter da legislação é promover a proteção e coibir a violência doméstica e familiar”, explica a advogada.
Nas seções II e III, referentes às medidas protetivas, incluí-se a restrição ou suspensão ao porte de armas do agressor; o afastamento do lar ou local de convivência; imposição de limite de distância da vítima, familiares ou testemunhas; suspensão ou restrição de dependentes menos de idade; restituição de bens etc.
É valido lembrar que a violência doméstica e familiar se caracteriza de diversas formas, desde uma conduta que ofende a integridade física da mulher até violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral. “Cada uma das violências descritas e tipificadas possui em si uma gama de ramificação e complexidade que se adapta e infiltra nas estruturas sociais”, pontua a especialista.
Segundo a advogada, quando há o descumprimento da decisão judicial por parte do agressor, pode haver detenção por um determinado período, como colocado no Art. 24, e que será mencionado mais a frente.
Assistência às vítimas
Assim como as medidas protetivas, a assistência às vítimas de violência doméstica e familiar é importante e, por isso, é destacada no Capítulo II do decreto da Lei Maria da Penha.
Entre os artigos e parágrafos dispostos, a lei assegura que a vítima deve ter sua integridade física e psicológica preservada, com acesso aos sistemas de saúde, de segurança e de assistência jurídica nos casos necessários.
O capítulo seguinte, que trata sobre o atendimento pela autoridade policial, também dispõe detalhes sobre a acolhida e assistência, pontuando que a vítima seja presencialmente atendida por uma profissional do gênero feminino, o inquérito não revitimize a depoente, haja garantia a sua proteção etc.
A especialista destaca que é de extrema importância a sociedade compreender que “não existe nenhum cenário em que a vítima participa ou contribui com o resultado”. Ao falar suas vulnerabilidades e sofrimentos, ela deve receber amparo social e profissional.
O que se enquadra na Lei Maria da Penha?
De acordo com a advogada, “seguindo o art. 7º da referida lei, entendemos como garantia explícita às violências físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais”. Veja a seguir:
- Violência física: qualquer conduta que afete a integridade física da mulher.
- Violência psicológica: qualquer conduta que resulte em danos emocionais e comprometa e saúde mental da mulher.
- Violência sexual: qualquer conduta que constranja, obrigue, intimide, ameace, chantageie ou force uma relação sexual, induza a comercialização da sexualidade, impeça uso de métodos contraceptivos e/ou limite ou anule os direitos sexuais e reprodutivos de uma mulher.
- Violência patrimonial: qualquer conduta que retenha, subtraia ou destrua, de forma total ou parcial, os bens e/ou recursos financeiros de uma mulher.
- Violência moral: qualquer conduta que se configure como injúria, calúnia e/ou difamação de uma mulher.
Brandino reforça que “as mulheres transsexuais e travestis são mulheres, desse modo, não há o que se discutir quanto a legitimidade da aplicação da Lei Maria da Penha para elas”, ou seja, elas são detentoras das garantias da lei.
Quais são as penalidades da Lei Maria da Penha?
As penalidades da lei discutida permeiam diversos fatores entre medidas protetivas de urgência aplicadas por um juiz e até mesmo a detenção. Abaixo elas estão detalhadas. Confira:
Suspensão ou restrição do porte de armas
Visando a integridade física e a proteção da vida da vítima, no caso do agressor possuir autorização para porte de armas, ela será suspensa ou restrita, sendo a decisão comunicada ao órgão competente seguindo as diretrizes da lei 10.826/03.
Afastamento do lar
Para proteger a vítima de violência doméstica e familiar, o juiz poderá aplicar a medida protetiva de “afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida”, como disposto no decreto.
Proibição de determinadas condutas
Em relação às condutas do agressor, o juiz responsável pode proibi-lo de se aproximar da vítima, de seus familiares e das testemunhas envolvidas no caso. Assim, é possível aplicar uma ordem de distanciamento físico, proibir qualquer forma de contato e/ou comunicação com a vítima, familiares e testemunhas, entre outras ações para manter a integridade psicológica e física da mulher.
Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes
No caso de dependentes menores de idade, fruto da relação com a vítima, o agressor poderá ser impedido de realizar visitações por tempo determinado pelo juiz responsável em prol da integridade da vítima e do dependente.
Participação em programas de reeducação e acompanhamento psicossocial
Essa é uma medida protetiva de urgência referente às obrigações do agressor de acordo com a decisão jurídica. Ela diz respeito a um ajuste ao art. 22, feito em 2020, que visa a reeducação do indivíduo e seu reajustamento social e emocional. Ele precisa comparecer aos programas de recuperação, reeducação e realizar acompanhando psicoterapêutico individual ou em grupo.
Detenção de 3 meses a 2 anos
Como dito anteriormente, no caso de descumprimento da decisão judicial, seja ela qual for, haverá pena de detenção que pode variar de 3 meses a 2 anos, como disposto na lei 13.641 de 2018. Contudo, é de extrema importância destacar que o parágrafo 3 desse arquivo afirma que “o disposto nesse artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis”, conforme o Código Penal Brasileiro.
Vídeos explicativos sobre a Lei Maria da Penha
Quer saber mais sobre o amparo legal, o acolhimento das vítimas e o enquadramento da lei? A seguir, confira uma seleção de vídeos com esclarecimentos e detalhes sobre a Lei Maria da Penha e suas implicações.
Quais os procedimentos da denúncia de violência doméstica
Nesse vídeo, a advogada Ana Paula esclarece sobre os procedimentos jurídicos desde a denúncia na delegacia até as intimações, depoimentos, solicitações de provas em determinados casos, além de falar sobre a acolhida da vítima pelas autoridades de segurança pública. O material é bem informativo e vale a pena ser conferido!
Pontos principais da Lei Maria da Penha
A advogada e professora Camila Miranda fala sobre os aspectos mais importantes da lei 11.340/06, comentando sobre os direitos das vítimas e as medidas protetivas, além de ressaltar que toda mulher, independentemente da classe social, pode passar por situação de violência doméstica.
Direitos da mulher em caso de violência doméstica
Detalhando sobre os direitos fundamentais das mulheres em relação à proteção e assistência em caso de violência doméstica e familiar, a advogada Jéssica abre um leque de esclarecimentos sobre a Lei Maria da Penha.
A partir dessas colocações sobre a Lei Maria da Penha, a advogada Maria Gabriela Brandino ressalta a necessidade de mais espaços que “proporcionem reflexão, prevenção e discussões em rede para que cada ator político e institucional compreenda o próprio papel de atuação da prevenção e erradicação das violências”.
Com isso, a especialista finalizada dizendo que “precisamos compreender o que é violência, ainda, não importa o quanto alguém conhece ou se dedique à causa, ninguém tem garantia de que não será vítima”.
Se você for vítima ou conhecer alguém que passe por situação de violência doméstica, ligue para o 180 e denuncie! Nem sempre a violência é visível, leia o glossário feminista para entender algumas pautas e termos que estão ganhando visibilidade social e precisam ser discutidas.