Termo define o ‘medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas’
A petropolitana Eveline Baptistella, de 44 anos, vive e trabalha pela natureza. “Pesquiso a relação entre animais humanos e não humanos. O meu estudo se concentra no Pantanal”, diz ela, que mora em Tangará da Serra, no Mato Grosso. Em 2020, durante as queimadas que devastaram a região, Eveline experimentou uma angústia aguda.
“Acabei me envolvendo para tentar minimizar o desastre que resultou na queima de 30% do bioma. Passei por um sofrimento psíquico”, lamenta. Lidar, no dia a dia, com a extinção de algumas espécies e o sofrimento de outras também a coloca em permanente estado de “luto”. “Entro em contato com a dor dos bichos todos os dias. Sigo por saber da urgência e por não conseguir ficar parada”, explica.
Pesquisadora e professora, ela não está sozinha: depois do pior da pandemia, voltou a dar palestras para crianças e jovens sobre consciência ecológica e pôde observar uma sensação recorrente: o medo de catástrofe ambiental vem crescendo a olhos vistos. “A própria crise sanitária é derivada dessa questão. O sentimento que predomina entre a juventude é a desesperança.”
O desassossego diante da crise climática e do aquecimento global que toma conta do mundo já tem nome: ecoansiedade. A expressão foi cunhada em 2017 pela American Psychology Association (APA — Associação Americana de Psicologia) e é descrita como “medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas, gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das próximas gerações”. Já o sofrimento ligado a desastres da natureza que, de fato, ocorreram, caso relatado por Eveline, tem o nome de solastalgia.
De acordo com Mariana Pelizer, doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, a ecoansiedade costuma atingir pessoas mais sensíveis à questão ecológica, que não conseguem desenvolver uma nova forma de viver (mudando a forma de se alimentar e de consumir, por exemplo) ou que entendem esse processo como apocalíptico. “Nesse caso, apresenta-se como medo crônico do futuro”, observa. “A emergência climática é uma realidade e a ansiedade, geralmente, tem a ver com a falta de controle do que está para acontecer. Mas, individualmente, podemos fazer escolhas cotidianas que impactem a no coletivo. Mudanças locais impactam nas transformações globais. Uma das formas de lidar com esse sofrimento é envolver-se em movimentos ligados ao cuidado com o planeta”, sugere.
Mariana também enumera alguns sintomas típicos. “Além do temor de viver grandes desastres, os clássicos das crises de ansiedade podem se fazer presentes, como insônia, falta de ar e palpitações. É importante procurar ajuda especializada”, ressalta.
Há 20 anos lidando com o assunto, a psicóloga ambiental Renata Carvalho Koldewijn sentiu esses efeitos no próprio casamento. A cerimônia foi em Brumadinho (MG) e, na mesma data, a barragem de uma mina se rompeu em Nova Lima, próximo ao local. “Não consegui prestar mais atenção em nada”, recorda-se ela, que tem 43 anos. “Quem não percebe a gravidade da situação está alienado.”
Já a advogada e ecofeminista Vanessa Lemgruber, de 29 anos, admite sentir, volta e meia, um “certo desespero”. “Por achar que não vai surgir uma solução para o planeta. E se surgir, não será para todos”, explica. Mas também acredita na capacidade humana de gerenciar crises. “Aceito as contradições da vida e tento transformar a ansiedade em ação”, diz.
Foi isso que fez Amanda Costa, de 25 anos. Formada em Relações Internacionais, jovem embaixadora da ONU e diretora da Perifa Sustentável, ela enxerga a ecoansiedade como realidade. “Já fiquei mal, minha geração não quer ter filho por causa disso”, diz a paulista, que foi à luta. “Criar novas narrativas é minha missão”, resume.
Por Agência O Globo